Luz da Serra de Belo Horizonte
Diante do convite de pensar e escrever BH, deparo com caminhos divergentes sobre os quais, profeticamente, ouso acreditar que, para além de questões, tenham respostas a me presentear. Faria eu um texto científico ou o conceberia em formato literário?
Essa mesma questão, de forma análoga, me remete ao objeto mesmo desta reflexão - BH: científica, moderna, globalizada; ou literária, tradicional, metrópole interiorana? Pouco antes de rascunhar os parágrafos anteriores, pude vislumbrar um entardecer no inverno de Belo Horizonte. Quando se pode, simplesmente, parar e olhar, não nos resta dúvida. O nome dessa terra parece ter sido desenhado pelo céu - vermelho e rosa e laranja, e de repente azul, e estrelas. E anoitece calada a cidade, ao som da Ave-Maria de Schubert, no silêncio de cada um de todos nós. Diante de tanto, também eu me calei ante a resposta que me era dada. Luz. Ser literário não é ser menos sério, menos correto ou verdadeiro do que ser científico ou tecnológico. Tampouco melhor ou pior. É simplesmente seguir o chamado que brota da terra e se enraíza no coração. É atender a uma vocação. O movimento de internacionalização de BH poderia, a princípio, mostrar-se comprometido, essencialmente, com a versão científica do texto que não pretendo escrever. Procuraria atualizar-se e modernizar-se econômica e tecnologicamente, integrar-se às fronteiras invisíveis do planeta globalizado, navegar sem rumo pela Internet. Fugiria, entretanto, ao chamado que ouço. Ha de se desenvolver BH - econômica, tecnológica, estruturalmente. Nenhum mal há nisso. E, no entanto, quantas cidades mundo afora sempre não estarão mais adiantadas em tais processos... A escrita de BH é pictórica, gravada nas montanhas e no horizonte. Vocação que se desenha para além da internacionalização de uma cidade, mas na interiorização do mundo todo. No atual paradoxo vivido pelo mundo, onde quanto mais barreiras são rompidas, e a comunicação e informação são instantâneas, cada vez mais o homem está só, distante do contato real com o outro e consigo mesmo. E não há tecnologia ou desenvolvimento que suprima tais necessidades, que suprima o dom maior de ser humano. É apenas para isso que o homem cria todo o resto - e, no entanto, ele se perde... Belo Horizonte é o próprio coração vermelho do triângulo que flameja nas Minas Gerais. Pouso de todos os interiores - de Rovigo, de Itamarandiba, do fundo da alma da gente, do medo e do amor. Centro que recebe e irradia. É fé, tradição e cultura. Tem “causos”. Tem gente de cada cantinho de tantas minas - e todo mundo ama como fosse daqui. E é. O que falta ao mundo é ser Belo Horizonte. Esperança pura. Historicamente sempre fomos do mundo, o que nos cabe, neste momento, é, simplesmente, não esquecer. Como eu não me esqueço, porque corre no meu sangue - um avô que atravessou o mar e veio da Itália; outro avô que atravessou o rio e veio do Vale do Jequitinhonha. Um dia vieram a se tornar vizinhos em Belo Horizonte. Moravam numa antiga rua, que ainda hoje existe, e onde meus pais se conheceram. Nesta rua ainda moravam, quando nasci. Seu nome era Luz. Rua Luz, da Serra, de Belo Horizonte. MARÇOLLA, Bernardo. Luz da Serra de Belo Horizonte. Jornal Diário do Comércio. Belo Horizonte, 15 out 1997. (Texto publicado como finalista do Prêmio Jornalista José Costa por ocasião do centenário de BH) |